terça-feira, 24 de junho de 2008

José Silva(s)

O Maciel iria fazer um concurso em Nosssa Senhora do Nazaré, cidade a uns 100 Km de Teresina no domingo, e me chamou pra ir. Como não iria fazer nada, vi ali uma oportunidade pra conhecer mais uma cidadezinha do Piauí [coisa que eu adoro, principalmente por causa do povo].

Acordamos 6 da manhã e pegamos o rumo. O sol já ardia forte, porém ainda light para os padrões "piauinianos". Chegamos no tempo certo, acho que 1h antes do inicio da prova. Demos uma voltinha na cidade pacata, limpinha e bem organizada. Vários carros de Teresina transitavam na pequena cidade, que naquele domingo tinha algo a mais para os moradores, que era justamente esse concurso da Prefeitura para funcionários da área de saúde.

8h da manhã e começa a prova. Que tinha algumas questões difícieis, mas que deu pra responder bacana! Palavras do Maciel que tava fazendo a prova, pois eu estava fazendo o reconhecimento da cidade. Andando por ruas de piçarra, areia e outros terrenos. O sol estava perfeito para fotografar, e era essa minha intenção. Fui adiante na estrada principal, que era justamente a estrada que me falaram que ia bater na Boa Hora. Fui seguindo-a até não ver mais casas, dei a volta pois aquilo era desconhecido pra mim e não ia arriscar nem gastar toda a gasolina, até porque estávamos muito longe de casa.

Parei numa casinha, das típicas de interior mesmo, com o curral dos porcos e galinhas, rede de tucum na varanda, alambrado e pé de figo na porta. Quem veio me atender foi um pivete. José Silva era seu nome. Ele logo se impressionou com minha aparência (grande), com a mochila, e câmera fotógráfica. Perguntei pra ele quem era seu pai, ou o dono da casa, pois queria deixar o carro na sombra e seguir a pé, pra algum lugar onde tivesse gente, gente de interior, gente da terra. E lá foi ele adentrando a casa escura de teto baixo e que exalava um cheiro de bode cozido que me deu água na boca.

- Oba, tudo bem com o Sr.?
- Tudo bem
- Posso deixar o carro aqui na sombra, quero dar uma volta e queria deixar o carro por aqui, pode ser?
- Pode sim meu filho, Você é de onde?
- Sou de Teresina
- Ah veio aí fazer esse concurso.....

E por aí começou nosso papo. O Sr. era José Silva (o pai) 62 anos, nascido ali mesmo em Nsa Senhora do Nazaré, a aparência de um senhor forte, mãos calejadas da roça e extremamente lúcido e atualizado com os assuntos do mundo. Ele me falou de várias coisas e assuntos inclusive do "Boa Noite Teresina" e que não era a favor. Disse que esse não era o jeito certo de garantir segurança pro cidadão, eu claro, concordei e concordo plenamente com ele.



- Nsa. Senhora do Nazaré é uma cidade muito rica meu filho, você tá vendo essas águas tudim aí?. É muito bom pra plantar, criar peixe. A cidade todinha é voltada em água. Mas isso tá se acabando. Acho que esse negoço aí de aquecimento do mundo é verdade mesmo. Antes as chuvas daqui erão maior e num se secava muito rápido.


[Realmente. Quando entramos na PI vindo da BR-343 depois de campo maior vemos de cara um mundão de água e pântanos que se estendem até a cidade.]

O papo tava bom mas José Silva se despede de mim, tem que ir deixar uma banda de bode na casa de sua irmã. A outra banda, estava no fogarél, e cheirava ainda mais forte, o que me causava incômodo "fomial". E fome pra mim aquela hora não era legal. Era mesmo hora de ir embora. Quem me acompanharia agora era José Silva o filho. Moleque de 9 anos, franzino e usando uma cueca marron, curioso sempre me perguntando tudo, de onde eu era, o que fazia. No começo confesso que achei chato e se tinha que aturar aquele moleque no meu pé. Logo fui me acostumando com ele e em pouco tempo estávamos conversando sobre tudo.




José Silva me mostrou o seu quintal, suas criações com muita alegria. Alegria de alguém diferente estar ali com ele. Aquele domingo pra ele com certeza seria inesquecível. Tirei algumas fotos, mostrei pra ele no visor. Ele se arriscou também a tirar algumas. Tudo era novidade, eu, a máquina, o carro. Caminhamos muito e perguntei o que teria mais na frente, ele me disse que nada e que o próximo povoado ficava muito longe. Demos meia volta e fomos banhar no pequeno açude de Nsa Senhora do Nazaré. Adorei a água, bem limpa e na temperatura certa. Fiquei ali horas e por mim ficaria ainda muito tempo ali. Fui pegar o Maciel que nessa altura já havia terminado a prova, chamei José Silva para ir comigo e disse a sua mãe que retornaria, e se eu podia levar ele. Ela lógico, não deixou. Já pensou levarem seu filho assim, ainda mais um estranho como eu. José Silva caiu em lágrimas, pra ele aquilo seria uma oportunidade única de passear de carro, ouvir música, comer no restaurante, estar com outras pessoas enfim!. Nem cheguei a me despedir dele por conta de sua mãe que o levou para dentro de casa com muito choro e gritos.


Na viagem de volta pensei muito nessas pessoas humildes que vivem no interior do estado. Pessoas muito educadas, receptivas e que levam uma vida simples. Os dois José Silva(s) me fizeram pensar de que não existe uma barreira tão grande da informação, e que a sabedoria está presente em todos, de todas as formas.